É lugar comum que as Medidas Provisórias 927 e 936 (com constitucionalidade chancelada pelo STF) buscam a preservação e a manutenção dos vínculos de emprego durante o chamado período de calamidade pública. No entanto, diante do aumento de despesas e redução de receitas decorrentes do cenário de pandemia, acentuadas pelo fechamento do comércio como medida de supressão para evitar a disseminação do vírus, por vezes, tem-se que as medidas ali consignadas revelam-se ineficazes, com a consequente necessidade de paralisação total das atividades pela empresa.
Nesse contexto, surgem os questionamentos a que este artigo se propõe responder, a saber: a rescisão do vínculo por ato do poder público que inviabilizou a atividade da empresa neste período pode ser considerada como força maior à luz dos artigos 486, 501 e 502, da CLT? Se sim, quais parcelas seriam devidas? Em especial, o empregador teria direito a sacar o valor correspondente ao FGTS com eventual multa e receber o valor atinente ao seguro-desemprego?
De início, tem-se que que a atual conjuntura preenche a condição de fato inevitável com a possibilidade de se enquadrar como fato do príncipe, nos termos do artigo 486, da CLT. Sendo assim, como dito em outra oportunidade quando abordada a suspensão do contrato de trabalho em época de pandemia e a crise econômica, “se não houver qualquer alternativa que permita a manutenção dos postos de trabalho e se a empresa tiver que encerrar totalmente ou parcialmente suas atividades, poderá se valer da regra excepcional”.
Confirmada a premissa, ato contínuo, impõe-se a aplicação dos artigos 501 e 502, da CLT, que lidos à luz dos demais dispositivos, inclinam no sentido de que neste caso resultaria no pagamento de verbas atinentes a despedida sem justa causa, salvo em relação ao aviso prévio e com redução da multa de FGTS para 20%.
Comprovada a natureza do acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador e a ausência de vontade do empregado em pôr fim a relação, e para a realização do qual não concorreram, direta ou indiretamente, indaga-se: estaria a Caixa obrigada a disponibilizar o valor de FGTS, e, além disso, o trabalhar teria direito ao seguro-desemprego¿
O artigo 18, da Lei 8036, de 1990, responsável por dispor sobre o Fundo de Garantia e outras providências, diz que “ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais”
Mais adiante, por sua vez, aduz no parágrafo segundo que a multa fundiária será reduzida para vinte por cento “quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho”.
Da sua análise, de plano, percebe-se que a liberação do valor no caso de força maior na época da presente pandemia encontra-se condicionada a apresentação de decisão transitada em julgado. A própria caixa no seu site confirma este entendimento quando a inclui nos documentos necessários para acesso ao valor depositado na conta fundiária, o que tem levado uma série de empregados a não receber valor alimentar e tão necessário para lidar com este momento de caos que assola o mundo.
Todavia, o entendimento até então adotado deve ser revisto.
É que a finalidade dos dispositivos legais foi justamente estabelecer a necessidade de decisão transitada em julgado pela presunção relativa de controvérsia para se reconhecer a culpa e recíproca ou força maior. Isto porque aquele que contra si é atribuída responsabilidade total ou parcial apresenta resistência, que, até pela cultura do conflito e da litigiosidade, redunda no ajuizamento da ação e posterior certificação do direito com a decisão transitada em julgado.
No caso em questão, todavia, não se discute a condição de calamidade pública apta a autorizar possível reconhecimento de força maior por ter um ato do próprio Governo, conforme acima demonstrado, o que, como é intuitivo, acentua a fragilidade da interpretação literal do dispositivo.
Ora, o instituto do FGTS foi criado como alternativa a estabilidade decenal (que, quando adquirida, autoriza a rescisão apenas por justa causa) para proteger e proporcionar alívio financeiro ao empregado que não deu causa ao término do vínculo. E, sendo assim, como obstar esse direito no momento mais crítico vivido pela nossa atual história em que as pessoas estão sem o mínimo existencial¿ Como se vê, a tese não se sustenta.
Acresça-se que o Governo tem flexibilizado as diretrizes estabelecidas originalmente pela Lei acima transcrita para disponibilizar novos saques no FGTS, a exemplo de saque aniversário, e, mais, conforme artigo 6, da Medida Provisória 946, autorizou aos titulares de conta vinculada do FGTS, a partir de 15 de junho de 2020 e até 31 de dezembro de 2020, em razão do enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia de coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o saque de recursos até o limite de R$ 1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais) por trabalhador.
A própria Reforma Trabalhista trouxe a possibilidade de movimentação quando o contrato é extinto no caso de distrato em que ocorre o acordo entre empregado e empregador.
Sendo assim, inclusive para que se evite uma demanda judicial com todo o desgaste proveniente para satisfazer a um direito que lhe assiste e a demora natural do processo mesmo com pedido para adoção das medidas de urgência, mormente em situação que recebe verbas rescisórias em valor inferior pela ausência do aviso prévio e redução no valor da multa fundiária, ou, até mesmo, sequer as recebe pela total ausência de caixa da empresa com término das suas atividades, com maior razão, deve ser revista a orientação para que ocorra a liberação do FGTS no caso de despedida por força maior, quando preenchidas as premissas dos artigos 486, 501 e 502, da CLT.
O mesmo deve ser dito em relação ao seguro-desemprego, pois, além dos fundamentos acima, a Constituição quando o elege como direito social no inciso II, do seu artigo 7, é clara no sentido de determinar a concessão deste benefício para desemprego involuntário.
Sendo assim, como o ato que obstou continuidade da empresa foi da Administração Pública, sobeja-se que assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado decorre de uma rescisão involuntária e tem como escopo auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego. Esse fato corrobora as diretrizes estabelecidas pela Lei 7998, de 1990, responsável por regular o Programa, motivo pelo qual estaria autorizado o acesso também para o caso de força maior, e não apenas para rescisão sem justa causa, inclusive a indireta.
Diego Costa Almeida, Advogado e sócio do Pessoa & Pessoa Advogados Associados