Em decisões recentes, diversas Turmas do Tribunal Superior do Trabalho têm reconhecido o direito à redução da jornada de trabalho ou a sua flexibilização – sem prejuízo do salário e sem a necessidade de compensação –, a profissionais que têm filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Em todos os casos, o TST considerou que, na ausência de legislação específica sobre a matéria, aplicam-se as normas internacionais, as disposições constitucionais e, por analogia, o Regime Jurídico Único (RJU) dos servidores públicos federais (Lei 8.112/1990). Para o TST, devem ser observados os dispositivos que salvaguardam os direitos das pessoas com deficiência, além dos direitos da criança e do adolescente, assegurando condições para que a pessoa com transtorno de espectro autista possa gozar dos seus direitos humanos e ter a sua dignidade efetivamente respeitada.
- TST-AIRR-11138-49.2020.5.03.0035 – PUBLICADO EM 26.08.2022 (DJe)
O primeiro caso, julgado pela Sétima Turma, foi de uma técnica de enfermagem aprovada em concurso para jornada 12×36, ou seja, 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, totalizando 36 horas semanais. A trabalhadora argumentou que criava sozinha filha com TEA, nascida em 2015, e precisava de mais tempo para acompanhar sessões de terapia, fonoaudiologia, pediatria e outros tratamentos para o desenvolvimento sadio da criança.
O Juízo de Origem determinou a redução da jornada da mãe em 50%, ficando limitada a 18 horas semanais – sem redução do salário ou necessidade de compensação –, mediante a comprovação semestral do tratamento junto à empresa, por meio da apresentação de atestado médico e declaração de outros profissionais que assistam a menor, enquanto houver a necessidade de acompanhamento. Apesar do recurso da empresa, o TST confirmou a decisão, entendendo como acertada a aplicação analógica do disposto no RJU (art. 98, parágrafos 2º e 3º), que prevê horário especial a servidor público que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.
O relator do caso, ministro Renato de Lacerda Paiva, destacou que a Lei nº 12.764/2012, que dispõe sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, enquadra os autistas como “pessoas com deficiência para todos os efeitos legais”, ao tempo em que a Constituição estabelece uma série de regras protetivas para esse grupo de vulneráveis, com absoluta prioridade à criança e ao adolescente, além de atribuir obrigações ao Estado e às famílias como instrumentos essenciais no seu resguardo e proteção.
- TST-Ag-AIRR-386-31.2019.5.17.0013 – PUBLICADO EM 26.08.2022 (DJe)
Decisão semelhante foi proferida pela Primeira Turma do TST, que reconheceu o direito à jornada reduzida a um enfermeiro, viabilizando os cuidados do pai trabalhador com o filho autista e a divisão das responsabilidades com a mãe da criança. Embora não haja previsão expressa na CLT nesse sentido, o colegiado entendeu que “é dever do Estado proporcionar todas as medidas necessárias ao acesso de pessoas com deficiência aos serviços de saúde e educação, de modo a estimular o pleno desenvolvimento e autonomia individuais, inclusive permitindo que seus responsáveis legais tenham carga horária de trabalho reduzida, de modo a assegurar a fruição dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição”.
- TST–RR-10086-70.2020.5.15.0136 – PUBLICADO EM 19.08.2022 (DJe)
No mesmo sentido, a Terceira Turma do TST também reconheceu o direito à redução pela metade da jornada de uma enfermeira emergencista, cujo filho, nascido em 2018, foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista. O ministro relator, José Roberto Pimenta, ressaltou que, embora as disposições do RJU não sejam aplicáveis aos servidores municipais, a falta de legislação específica não pode suprimir o direito essencial que decorre da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), chancelada pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 186/2008) e pela Constituição Federal.
- TST-AIRR-1208-69.2018.5.17.0008 – PUBLICADO EM 16.11.2022 (DJe)
Por fim, merece destaque a decisão da Oitava Turma do TST, que confirmou a decisão do regional e autorizou o regime de teletrabalho a um trabalhador cujo filho, de 29 anos, tem autismo em grau elevado. O rapaz passou a residir na Itália, com a mãe, por razões de tratamento e qualidade de vida.
Ocorre que a mãe está gravemente doente e sua condição a impede de prestar cuidados ao filho, motivo pelo qual o trabalhador – um analista de tecnologia da informação –, pediu que fosse autorizado a trabalhar remotamente, no exterior, enquanto perdurasse o tratamento da esposa. O pedido foi acolhido pelo Tribunal Regional, mas a empresa recorreu da decisão alegando que as atividades seriam incompatíveis com o teletrabalho.
No TST, o ministro relator destacou que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) estabelece uma política de “adaptação razoável”, conceituada como as “modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais“. Assim, para que o filho autista possa ser acompanhado pelo pai, diante da gravidade da doença da mãe, é necessário adaptar a prestação do trabalho à modalidade remota, uma vez constatada sua plena compatibilidade com as atividades executadas pelo analista.
Por fim, o relator assinalou que, embora a CLT preveja a necessidade de “mútuo acordo entre as partes” para mudança do regime presencial para o teletrabalho, essa norma deve ser interpretada em associação aos demais preceitos do ordenamento jurídico, notadamente aqueles que concretizam os direitos fundamentais necessários à existência digna da pessoa com deficiência.
TST-AIRR-11138-49.2020.5.03.0035
TST-Ag-AIRR-386-31.2019.5.17.0013
TST-RR-10086-70.2020.5.15.0136
TST-AIRR-1208-69.2018.5.17.0008