Promoção de disputas judiciais falsas se multiplica

A promoção de disputas judiciais falsas – chamada de “advocacia predatória” – tem se multiplicado em larga escala com o uso de redes sociais, softwares jurídicos, carros de som e até inteligência artificial. Mas os setores bancário, aéreo, de telecomunicações e construção, que são alvos preferenciais da prática, já se movimentam para combater o fenômeno, responsável por prejuízos de R$ 10 bilhões ao ano ao Judiciário do país, segundo o Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).

O assunto está para ser definido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Debatido em audiência pública realizada em outubro, ele foi enviado para julgamento pela Corte Especial, por ser de amplo impacto (Tema 1198). Nesse processo, poderá ficar estabelecido que o juiz pode exigir mais documentos e informações, quando entender se tratar de caso de advocacia predatória – nas “fake lides” (disputas falsas em inglês) é regra a omissão de dados e fraudes documentais.

O tema também é monitorado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e por tribunais de justiça. Eles estão criando centros de inteligência voltados a disputas massificadas com características abusivas. O termo “litigância predatória” foi adotado para designar ações judiciais repetitivas com elementos de abusividade ou fraude, às vezes com características de litigiosidade artificial ou frívola. Os casos mais comuns são voltados a empresas de consumo de massa, como varejistas.

O processo em julgamento no STJ trata de um contrato de crédito consignado do banco Santander. Porém, as ações associadas a ele envolvem disputas com outros bancos, o poder público e empresas de telecomunicações. “O que origina o problema é uma repetição de situações semelhantes em setores com grande volume de operações, com questões regularmente discutidas”, diz Heloísa Scarpelli, gerente jurídica da Febraban.

Sofia Temer, sócia do Gustavo Tepedino Advogados e representante do Santander no caso, afirma que há uma tendência de se confundir a litigância massificada com a advocacia predatória. “No caso da litigância de massa, os processos são legítimos. Já as ações predatórias são falsas, são o que se chama de ‘fake lides’”, diz. “Às vezes, a parte nem sabe do processo porque é um problema fabricado, não há litígio real”, acrescenta. Nesses casos, se há vitória, o advogado fica com tudo, não só com um percentual de honorários.

Sofia reforça, contudo, que não se discute o acesso à Justiça, mas seu abuso. “O acesso à Justiça não é ilimitado, a parte deve provar haver um mínimo de elementos formais”, afirma.

“Às vezes, a parte nem sabe do processo porque é um problema fabricado”

— Sofia Temer

Essa litigiosidade predatória acaba prejudicando as partes, por um lado, porque a Justiça costuma aplicar multas por litigância de má-fé, em uma proporção que chega a até 70% dos casos de litigância. Por outro, porque onera a Justiça, dificultando o andamento de disputas reais.

Alguns tribunais já tomam providências para mensurar e combater a advocacia predatória. Segundo cálculo do TJ-MG, em termos nacionais, a prática representa 1,2 milhão de processos ao ano. A estimativa está na Nota Técnica nº 1/2022 do Centro de Inteligência da Corte, feita com base na projeção de tribunais de Justiça sobre os dois principais tipos de disputas de direito bancário de massa: ações declaratórias de inexistência de débito e ações revisionais de contrato.

Nesses dois tipos de disputa bancária, as projeções dos Núcleos de Monitoramento do Perfil de Demandas (Numopedes) de vários tribunais chegaram ao valor de 30% de litigância predatória artificialmente criada. E estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2011, atualizado monetariamente, aponta um custo médio de manutenção de R$ 8 mil por processo judicial para o Estado.

Segundo o juiz Felipe Albertini Nani Viaro, assessor da Corregedoria Geral da Justiça, o Núcleo de Monitoramento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) fez um levantamento cruzando dados sobre partes autoras, advogados e temas, com a análise de 503 casos concretos, projetando os números para a carga processual do tribunal. Chegou ao número de 337 mil casos de “advocacia predatória” ao ano no tribunal. Usando o valor de custo por ação do IPEA, o resultado é um prejuízo anual de R$ 2,7 bilhões para a Corte paulista.

Há peculiaridades regionais nas “fake lides”. O escritório Pessoa & Pessoa atua em 120 mil processos de consumo, para bancos no Norte e Nordeste, e identifica que a litigância predatória migra entre comarcas e Estados em busca de procedimentos e jurisprudência mais favoráveis.

Os métodos também mudam: há advogados que usam inteligência artificial e robôs para redigir peças e protocolar ações. Outros, na captação de clientes, apelam para técnicas mais tradicionais: em algumas cidades carros de som anunciam produtos como “limpe seu nome” e “pare de pagar taxas” e colhem procurações em folhas de papel preenchidas à mão. O objetivo é abastecer de litígios em larga escala.

“Há casos em que um mesmo comprovante de residência é usado para 30 pessoas diferentes. Um único caso foi dividido em 40 processos, um para cada mês de fatura no banco”, relata Victor Graça, sócio do Pessoa & Pessoa Advogados. Também há ações da mesma pessoa para dez bancos diferentes, diz ele, com os quais ela nunca teve relacionamento. “Em uma cidade no interior do Amazonas, um único advogado marcou presença em 64 audiências em um único dia. São quantidades incomuns”, conclui.

A saída é montar estratégias para identificar esses padrões e desmontar lides predatórias. Isso acontece ao acionar a Justiça criminal e o tribunal de ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra os patrocinadores dos processos. “O grande volume dessas demandas predatórias, fraudulentas e frívolas têm gerado a necessidade dos escritórios jurídicos se adaptarem” diz Larissa Santo-Sé, sócia do Pessoa & Pessoa.

No setor aéreo, a litigância excessiva começou a assumir traços de advocacia predatória ao extrapolar o limite do razoável. Por trás desses processos está a captação de clientes por técnicas de disparo em massa de mensagens pelas redes sociais. São oferecidas promessas de ganho fácil a passageiros que, às vezes, nem estavam insatisfeitos, abrindo processos sem base em fatos.

“Há um processo que tem crescido muito no Brasil, promovido por ‘aplicativos abutres’ e sustentado em produtos oferecidos por ‘lawtechs’”, diz Marcelo Pedroso, da Associação Internacional de Transporte Aéreo (AITA). A estratégia é convencer o passageiro de que, se houve alteração do voo, por exemplo, é possível ir à Justiça. “É uma solução que estimula uma litigiosidade não natural, que não iria acontecer”, afirma. No caso de vitória, porém, são cobradas taxas exorbitantes.

Entidades do setor aéreo estão preparando uma estatística detalhada do problema. Mas, segundo informação levantada pela Juit, empresa de pesquisa de jurisprudência e jurimetria, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ações sobre cancelamentos, atrasos e extravios de bagagem somaram 148 mil processos na Justiça no ano de 2022.

Algumas empresas de aviação com atuação internacional relatam que 98% de seu contencioso judicial acontece no Brasil. Uma aérea fez o cálculo de que nos EUA a proporção de processos judiciais por voo era de um a cada 12 mil, e no Brasil, um processo a cada 1,8 voo. O problema, segundo Marcelo Pedroso, é que os consumidores vão à Justiça antes de buscar solução por acordo com as empresas ou outros canais públicos.

Para o professor de direito do consumidor da PUC-SP e presidente da Associação Brasileira das Relações Empresa Cliente, Vitor Morais, o problema da advocacia predatória passa pela falta do devido estímulo aos canais de autocomposição, sejam os das empresas, Procons ou o site consumidor.gov, onde os índices de acordo chegam a 80% ou 90%.

“O canal de atendimento é a forma mais eficiente e barata de resolver disputas, e o Judiciário é a forma mais cara”, diz Vitor Morais. Ele defende que a tentativa de autocomposição deve ser um filtro. “É preciso haver responsabilidade e usar a Justiça apenas nos casos em que ela é necessária”, afirma.

 

 

Artigo publicado no Valor Econômico.

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