Gerenciando o risco médico-jurídico: a documentação

É notória a escalada do número de ações com pedido de indenização relativas a questões envolvendo a relação médico-paciente. Ainda que haja êxito na defesa, apenas a sucumbência nestas ações representa já um grande prejuízo para o profissional, donde percebe-se a importância de atuar no sentido de sua prevenção.

Além do médico, estas ações trazem em seu bojo, como corréus, a clínica ou o hospital onde o profissional trabalha, assim com o plano de saúde do qual o profissional é credenciado.

O aumento impactante de litígios sob esta rubrica não é atribuído a uma queda na qualidade técnica dos profissionais médicos. Antes, atribui-se:

  • a uma maior quantidade de informações médicas acessíveis ao paciente, não necessariamente de boa qualidade;
  • ao distanciamento e diminuição na qualidade da relação médico-paciente; uma perda para a sociedade que vai além da possibilidade de indenização;
  • a um paciente que tem maior conhecimento sobre seus direitos, e hoje já procura o médico com a postura de um consumidor de serviços;
  • a uma maior facilidade de acesso ao Poder Judiciário, o que, à parte dos valiosos benefícios associados, permite também a banalização desse acesso, em busca de ganhos monetários, por vezes indevidos, em prejuízo moral e financeiro de outros.

Nestas ações de indenização por supostos erros médicos são comuns o excesso de alegações e a escassez de provas aptas a sustentá-las. Na prática, dentro do microssistema consumerista, delega-se aos réus o ônus de produzir provas em contrário à sua responsabilização. Os autores geralmente requerem, simultaneamente, a inversão do ônus da prova e o benefício da Justiça Gratuita. Ocorre que a concessão deste benefício permite ao autor, supostamente lesado, formular pedido de quantias indenizatórias altas, sem temer a sucumbência, constituindo, por vezes, inconsequentes aventuras jurídicas. Já a concessão da inversão do ônus da prova coloca, tanto para o médico como para a instituição acusados, o encargo de trazer aos autos uma documentação capaz de comprovar sua inocência.

Apenas neste momento, já tardio, a empresa e o profissional lamentam não terem se empenhado na correção de suas rotinas, de forma a colocar um foco específico na produção de documentação com qualidade suficiente, apta a demonstrar sua inocência em juízo.

A medicina é uma ciência “nada exata”, contando com um sem-número de variáveis capazes de impedir a confirmação de um desfecho. Nesse sentido, nem todo insucesso ou complicação de tratamento representa um erro médico. Cabe ao acusado, então, apresentar prova em contrário, através de documentação que deveria ter sido produzida preventivamente, quando não havia motivos para se vislumbrar o seu uso.

Nota-se que, além de agir pautado nos preceitos da boa técnica, o profissional — e, também, a instituição à qual está vinculado — deveriam primar pela transparência e pelo fornecimento de informações adequadas ao paciente, evitando, desta forma, a criação de expectativas irreais sobre seu tratamento, e ao mesmo tempo permitindo a correta tomada compartilhada de decisões.

Não manter o paciente informado, contrariando as disposições do Código de Ética Médica e do Código de Defesa do Consumidor, ou não ter como comprovar o fornecimento das informações, vai redundar, igualmente, em caracterização de negligência, um dos elementos basilares[1], capazes de configurar a culpa (strictu sensu) do profissional, resultando em sua condenação, juntamente com a instituição assistencial, além da instituição securitária com as quais mantém relação.

A norma exige que o paciente deva ser sempre informado sobre seu estado de saúde e as opções de conduta no seu caso. Advoga-se, ainda, que seja comprovado o devido fornecimento de informações completas durante o curso de todo o tratamento. O paciente depende delas para efetivamente participar das decisões surgidas nessa trajetória cumprida ao lado do médico que o assiste.

Em razão disso, todo o processo deve ser documentado – tanto as explicações e opções apresentadas, como as escolhas feitas – com registros em prontuário, permitindo, desse modo, que sirva como elemento de prova em eventual controvérsia jurídica.

Não é juridicamente eficaz resumir a documentação, do ato de informar, a um formulário padrão único, genérico, da instituição. Tais impressos multiuso não conferem credibilidade sobre a efetiva transmissão de informação e obtenção de consentimento. Descuida-se muito deste procedimento, valorizando-o apenas quando já não se pode corrigi-lo.

Ao descuidar-se do dever de informar ou, mesmo, ao deixar de documentar o fornecimento das informações e o consentimento recebido, o profissional termina por abrir a porta para condenações e prejuízos que poderiam ser evitados, arcados por si próprio e pela empresa onde exerce sua atividade profissional.

A adequação do registro em prontuário escapa do aprendizado adquirido na faculdade de medicina. Os médicos e as instituições médicas deveriam, portanto, insistir na complementação deste aprendizado, que tem se tornado essencial, assim como no controle preventivo da qualidade de seus registros. Desse modo, poderiam ser evitadas condenações indevidas, que ocorrem somente pela carência de provas que falem a favor da inocência do profissional.

Os métodos para aquisição, registro e trâmite das informações dentro das instituições que lidam com a saúde e onde trabalha o profissional médico, tendem a representar a diferença entre o êxito e a condenação em ações indenizatórias movidas pelos pacientes ou seus sucessores. Medidas deveriam ser implementadas visando, em específico, a melhoria neste controle do fluxo e qualidade da documentação.

[1] Negligência, Imprudência, Imperícia.

 

Joberto Acioli é advogado e médico, responsável pelo núcleo de Direito Médico e da Saúde do Escritório Pessoa e Pessoa Advogados.

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