O Supremo discute ainda se as empresas que hospedam sites na internet têm o dever de fiscalizar o conteúdo publicado e retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção do Judiciário
O Supremo Tribunal Federal (STF) irá retomar nesta quarta-feira (4/6) dois importantes julgamentos sobre a responsabilidade das plataformas digitais a respeito de conteúdos produzidos por terceiros.
Um dos recursos (RE 1037396) a ser julgado, de relatoria do ministro Dias Toffoli, discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que exige uma ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil dos provedores. Neste caso, a Corte discute a substituição de uma ordem judicial por uma simples notificação para que o conteúdo seja excluído.
O outro (RE 1057258), de relatoria do ministro Luiz Fux, discute a responsabilização de provedores de conteúdos na internet e plataformas de redes sociais sobre danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Neste caso, a Corte irá discutir se essas empresas têm o dever de mediar publicações dos usuários e se é necessária ordem judicial para a retirada de conteúdo ofensivo do ar.
“O julgamento pode mudar a forma como as redes sociais lidam com os conteúdos postados por usuários. Hoje, elas só precisam remover algo depois de uma ordem judicial. Mas se isso mudar, pode ser que passem a ter mais responsabilidade sobre o que é publicado, antes mesmo de qualquer decisão. Na prática, isso afeta tanto quem cria conteúdo quanto quem faz anúncios. As plataformas podem começar a ficar mais rígidas, revisar mais, derrubar mais publicações”, explicou Bruno Riether, especialista em marketing digital e mídias digitais.
Na avaliação do especialista, “um mínimo de organização e responsabilidade é mais que necessário”, mas ele também tem preocupações sobre como será feita a checagem e verificação das informações para definir o que é verdadeiro ou falso.
Equilíbrio de forças
Em janeiro de 2025, o presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, decidiu abandonar o uso de checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram. O empresário justificou a medida dizendo que os moderadores profissionais são “muito tendenciosos politicamente” e era “hora de voltar às nossas raízes, em torno da liberdade de expressão”. O modelo foi substituído por “notas da comunidade”, em que comentários sobre a veracidade do conteúdo das postagens são feitos pelos próprios usuários, em vez de profissionais especializados.
“Atualmente, o artigo 19 estabelece que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente se descumprirem uma ordem judicial específica de remoção de conteúdo. Esse modelo, chamado judicial notice and takedown, foi importante para preservar a liberdade de expressão e evitar censura privada em um cenário ainda incipiente da internet em 2014”, explicou a advogada e economista, Bianca Mollicone.
Na avaliação de Bianca, uma eventual declaração de inconstitucionalidade do artigo pelo STF “pode transformar profundamente o regime de responsabilidade das plataformas”, sobretudo “o equilíbrio de forças entre usuários, plataformas e o Estado, conferindo às plataformas um papel ainda mais central na filtragem do discurso público, agora com riscos jurídicos ampliados”.
Isso pode impactar, por exemplo, a crítica política e a circulação de conteúdos controversos, mas que não sejam necessariamente criminosos, explicou a especialista, que entende ser essencial “que o STF evite substituir o Congresso na definição de um novo marco regulatório”, comentou. Para ela, “o modelo atual — baseado em termos de uso pouco compreensíveis e decisões unilaterais das plataformas — tem se mostrado insuficiente tanto para proteger os direitos dos usuários quanto para garantir um ambiente informacional saudável”.
O relator do caso, ministro Dias Toffoli, diz que a lei requer atualizações em suas regras, tendo em vista a evolução da internet nos últimos anos. No entendimento do ministro, “o Marco Civil da Internet foi uma conquista democrática da sociedade. Mas, 10 anos depois, é necessário atualizar o regime de responsabilidade dos provedores para se adequar ao modelo atual de internet, que privilegia o impulsionamento de conteúdos com inverdades, estímulo ao ódio e situações ilícitas”.
Toffoli entende que o artigo 19 acoberta a violência digital ao exigir uma ordem judicial prévia para cumprimento da remoção de conteúdo e, por isso, acredita que a responsabilização das plataformas deve se basear no artigo 21 do Marco Civil, que prevê a retirada do conteúdo após simples notificação. O ministro Luiz Fux, no mesmo sentido, considera o artigo inconstitucional, “pois dá uma espécie de imunidade civil às empresas”.
Além disso, o ministro acredita que a exigência de uma ordem judicial para retirada de conteúdo das plataformas contribui para o aumento do volume de visualizações, enquanto que o objetivo da notificação simples às plataformas para a retirada de conteúdo é “evitar que as postagem viralizem, ganhem visibilidade e atinjam de forma grave a reputação das pessoas”.
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, concorda que as plataformas digitais devem ser responsabilizadas caso deixem de tomar as providências necessárias para remover postagens com teor criminoso. Para o ministro, a forma como está a legislação hoje “não dá proteção suficiente a direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, e a valores importantes para a democracia”.
O julgamento discute ainda se as empresas que hospedam sites na internet têm o dever de fiscalizar o conteúdo publicado e retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção do judiciário.
Artigo publicado no Correio Braziliense.