Não são poucas as empresas que, diante do caos instaurado em razão da pandemia do CORONAVIRUS, enfrentarão crise de liquidez. Com faturamento consideravelmente reduzido (quando não zerado), muitos negócios encontrarão sérias dificuldades para honrar com os seus compromissos de curto prazo.
Em situações como tais, quando o nível de endividamento decorrente das problemáticas ocasionadas pela pandemia alcançar níveis mais agudos, as empresas podem ainda se valer dos instrumentos de negociação coletiva de dívidas previstas na Lei nº 11.101/2005.
A Recuperação Extrajudicial é um mecanismo de reestruturação de dívidas que permite à empresa em dificuldade renegociar, em bloco, com todos os credores componentes de uma ou mais classes específicas de crédito (ex: credores financeiros; fornecedores; credores titulares de garantias reais; credores de curto prazo; locadores; tradings; dentre outros), à exceção dos trabalhistas e tributários. Estas duas últimas categorias devem, se necessário, ser tratadas em outras vias.
Escolhida a modalidade de dívida a ser renegociada, deverá ser elaborado o plano de recuperação extrajudicial que contemple as medidas de reestruturação adotadas e a proposta de pagamento das dívidas que a ele se sujeitarão, devendo o plano ser negociado extrajudicialmente com os credores e, após a aprovação por pelo menos 3/5 dos créditos, levado à homologação judicial.
A escolha pela Recuperação Extrajudicial tem como grande vantagem a possibilidade de direcionamento da renegociação conforme as particularidades do tipo de atividade e consequente desenho do próprio passivo da empresa, sendo mais célere, menos complexa, invasiva e custosa financeiramente para a empresa quando comparada ao processo de Recuperação Judicial, possibilitando formas mais flexíveis de reestruturação que acompanhem a dinâmica da atividade empresarial.
Outra grande vantagem desse procedimento é a possibilidade de sujeitar os 2/5 dos credores que não concordaram em renegociar às mesmas condições previstas no plano de recuperação extrajudicial aprovado pelos demais, sem a necessidade de um processo judicial complexo como a recuperação judicial.
A Recuperação Judicial, por sua vez, é uma ferramenta legal que tem por objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira da empresa, evitando seu encerramento e mantendo-a ativa para que continue cumprindo a sua função social de geração de emprego, recolhimento de impostos, disponibilização de produtos ou serviços e circulação de riquezas.
Ao contrário da Recuperação Extrajudicial, o devedor não possui a faculdade de escolher quais créditos lhe são mais convenientes renegociar, visto que estarão sujeitos ao procedimento todos aqueles existentes na data do pedido, exceto aqueles expressamente excluídos pela legislação, à exemplo dos tributários e garantidos por alienação fiduciária. Em contrapartida, as dívidas trabalhistas também podem ser renegociadas na recuperação judicial.
Como grande vantagem, a legislação garante proteção temporária à empresa contra atos de expropriação patrimonial promovidos pelos credores, suspendendo, por pelo menos 180 dias, todas as execuções judiciais, e lhe concedendo a oportunidade de reestruturar o negócio e renegociar as dívidas em condições compatíveis com a realidade financeira da empresa em maior grau de tranquilidade, utilizando-se de mecanismos como carência para início do pagamento, parcelamento de longo prazo, redução de juros, perdão de multas, liberação e/ou substituição de garantias, deságio sobre o valor devido.
Outra vantagem relevante é o acesso automático ao parcelamento tributário especial exclusivo para empresas em Recuperação Judicial, estipulado no art. 10-A da Lei n.º 10.522/2002, em 84 parcelas mensais, escalonadas em prestações crescentes, da seguinte forma no tempo: i) da 1ª à 12ª prestação, 0,666% do total do débito; ii) da 13ª à 24ª prestação, 1%; iii) da 25ª à 83ª, 1,333%; e iv) na 84ª prestação, o saldo devedor remanescente.
Reconhecendo a importância das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte para a economia nacional, inclusive como as maiores fontes geradoras de empregos, além da submissão ao regramento geral da Recuperação Judicial, a Lei 11.101/2005 possibilita às ME e EPP’s a faculdade de adesão ao plano especial de recuperação, cujas condições de reestruturação da dívida já são previamente definidas, a partir da concessão do parcelamento dos débitos em até 36 parcelas mensais, atualizadas apenas pela SELIC, e carência de até 180 dias para início dos pagamentos.
Nesta modalidade, incluem-se todos os tipos de créditos existentes na data do pedido (inclusive trabalhistas), vencidos ou ainda a vencer, exceto os oriundos de repasse de recursos oficiais, créditos fiscais, operações garantidas com alienação fiduciária e adiantamento de contrato de câmbio.
Trata-se de procedimento bastante simplificado, de enorme utilidade em momentos de crise sistêmica como o atual. Àquele credor que entender que uma carência de 180 dias e um prazo de 36 meses de alongamento das dívidas podem ser o suficientes para resolver o seu problema momentâneo e evitar um colapso financeiro irreversível, basta peticionar em juízo, cumpridos os requisitos legais, para que esse direito lhe seja garantido. Não há, nesse caso, sequer a necessidade de designação de assembleia geral de credores para aprovação do plano, que será diretamente homologado pelo juízo desde que atestada a presença dos requisitos legais e não haja a objeção de mais da metade dos credores titulares dos créditos.
Adicionalmente, as ME e EPP’s que valerem-se da recuperação judicial, em qualquer modalidade de plano (especial ou ordinário), poderão também usufruir do parcelamento fiscal especial para empresas em recuperação previsto na Lei 10.522/2002, com prazo 20% superior ao disponibilizado às demais empresas, o que, concretamente, alcança o prazo total de 100 meses.
Por fim, destaca-se que o acesso às ferramentas de reestruturação de dívidas acima descritas não pressupõe a existência de obrigações vencidas e não pagas. Aquelas empresas que, embora adimplentes com todas as suas obrigações, antevejam que os impactos econômicos do contexto de emergência sanitária global lhe conduzirão a um descolamento de caixa no curto prazo, de maneira que, muito em breve, suas finanças entrarão em colapso, também podem, preventivamente, se valer dos referidos institutos, justamente para evitar o default.