A proteção ao emprego contra a dispensa discriminatória é um dos pilares do direito do trabalho moderno, refletindo a função social da propriedade e a dignidade da pessoa humana, ambos fundamentos da República (artigo 1°, III e IV, da Constituição). Nesse contexto, a reintegração judicial de um trabalhador dispensado em razão de doença grave ou estigmatizante, amparada pela Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho, representa um marco contra a discriminação. Uma vez restabelecido o vínculo, contudo, emerge uma questão complexa e de grande relevância prática: essa reintegração confere ao empregado uma estabilidade absoluta, blindando-o contra qualquer futura dispensa?
Dispensa discriminatória
O histórico de uma dispensa discriminatória lança uma sombra sobre a relação de emprego, alterando drasticamente o ônus probatório e a análise de legalidade de uma eventual nova tentativa de rescisão por parte do empregador, que poderá ser legítima, livrando o empregador de manter em seu quadro um empregado que não deseja. A possibilidade de uma nova despedida, portanto, deve ser analisada sob duas óticas distintas: a dispensa por justa causa e a dispensa imotivada.
A validade de uma nova dispensa, nesse contexto, dependerá intrinsecamente de sua modalidade e da motivação, sendo o ônus probatório do empregador significativamente agravado pelo histórico de discriminação.
Dispensa por justa causa
A dispensa por justa causa permanece como uma possibilidade plenamente aplicável. A garantia no emprego, seja ela qual for, não autoriza o empregado a descumprir suas obrigações contratuais. Caso o trabalhador reintegrado cometa alguma das faltas graves capituladas no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o empregador mantém seu direito de aplicar a penalidade máxima. Contudo, o exercício desse poder disciplinar será examinado com rigor excepcional pelo Judiciário. Caberá ao empregador o ônus de produzir prova robusta, clara e inequívoca da falta cometida, observando estritamente os requisitos da imediaticidade, proporcionalidade e ausência de dupla punição. Qualquer fragilidade na comprovação da justa causa poderá ser interpretada como um pretexto para efetivar a dispensa que fora anteriormente frustrada pela via judicial.
Por outro lado, a dispensa sem justa causa do empregado reintegrado deve ser considerada uma medida de altíssimo risco jurídico e de provável reversão. Uma rescisão imotivada, ocorrida após uma reintegração por discriminação, atrai uma presunção quase absoluta de que o ato é retaliatório e constitui uma reiteração da prática ilegal. A lógica protetiva da Lei 9.029/95, que veda práticas discriminatórias na relação de trabalho, e da própria Súmula 443 do TST, seria novamente invocada.
Dito isso, o ônus da prova recairia inteiramente sobre o empregador, que teria a difícil, senão impossível, missão de demonstrar que a nova dispensa se deu por um motivo lícito, razoável e completamente desvinculado da condição de saúde do empregado ou do litígio anterior. Não bastaria uma alegação genérica de “corte de custos” ou “reestruturação do quadro”. Seria necessária prova cabal de que a extinção daquele posto de trabalho era inevitável por razões econômicas, financeiras ou técnicas, e que a escolha daquele empregado específico não conteve nenhum elemento de pessoalidade ou perseguição em virtude do seu histórico. Na prática, trata-se de uma prova diabólica, cuja produção é raramente bem-sucedida nos tribunais.
Presunção de ato retaliatório
Acresça-se que a dispensa imotivada, ocorrida após uma reintegração por discriminação, atrai uma forte presunção de que o ato é meramente retaliatório e constitui uma tentativa de contornar a decisão judicial, já que essa presunção encontra lastro na Lei 9.029/95, que, em seu artigo 1°, proíbe expressamente a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso ou manutenção da relação de trabalho. No seu artigo 4°, há a faculdade ao empregado, em caso de rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, de optar entre a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento ou o recebimento em dobro da remuneração do período. A dispensa sem justa causa, nesse cenário, seria interpretada como uma verdadeira reiteração da prática vedada por lei.
A propósito, a Súmula 443 do TST estabelece a presunção de dispensa discriminatória em casos de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito, invertendo o ônus da prova para o empregador. A lógica do entendimento sumulado, que já fundamentou a reintegração, sem dúvida, seria aplicada com mais rigor para analisar a nova dispensa. Caberia ao empregador, portanto, o duro encargo de produzir prova robusta e inequívoca de que a rescisão se deu por motivo técnico, econômico ou financeiro completamente alheio à condição de saúde do empregado, o que, na prática, é de difícil comprovação.
‘Proteção qualificada’ ao emprego
Diante do exposto, a reintegração por doença grave não garante uma estabilidade absoluta, mas cria uma “proteção qualificada” ao emprego. Ela não impede a dispensa por justa causa, desde que esta seja solidamente comprovada, mas torna a dispensa sem justa causa um ato juridicamente temerário. O poder potestativo do empregador, embora não extinto, é severamente mitigado pela necessidade de demonstrar boa-fé e ausência de qualquer viés discriminatório ou retaliatório. Nesse caso, o estudo sobre a nova dispensa revela que, na prática, o vínculo do empregado reintegrado se torna significativamente mais forte, e sua dissolução imotivada, um caminho de elevado risco e de provável insucesso para o empregador.
Conclui-se que, embora a reintegração judicial não crie uma estabilidade permanente, a possibilidade de uma nova dispensa é limitada. A rescisão por justa causa, baseada em falta grave comprovada é a via juridicamente mais defensável. Em contrapartida, a dispensa sem justa causa, enfrentará uma forte presunção de ilegalidade por retaliação e discriminação, com elevada probabilidade de ser declarada nula, com respaldo na Lei 9.029/95 e na Súmula 443 do TST, resultando em nova condenação à reintegração e ao pagamento de indenizações.
Artigo publicado no ConJur.


