O Supremo Tribunal Federal decidiu no último dia 15, por maioria de votos, referendar a decisão do ministro relator Luis Roberto Barroso, na ADI 7.222 MC, que suspende os efeitos e a obrigação de cumprimento do novo piso salarial dos profissionais de enfermagem, fixado pela lei 14.434/2022, para que fossem esclarecidos os impactos financeiros sobre os estados e municípios, além de avaliar os riscos para a empregabilidade da categoria e para a qualidade dos serviços de saúde.
A solução adotada pelo ministro Barroso e seguida pela maioria dos seus pares parece a mais acertada. Mas antes de justificar essa afirmativa, uma ressalva: não restam dúvidas de que os profissionais de enfermagem prestam um serviço relevantíssimo. Essa ideia, que já não comportava discussões, tornou-se ainda mais evidente nos últimos meses, quando se enfrentou uma pandemia com adoecimento massivo da população brasileira, quando o papel do profissional de enfermagem foi fundamental para que não houvesse uma catástrofe ainda maior. Os profissionais de enfermagem foram, nas palavras no ministro Barroso, “exigidos até o limite de suas forças” e, como se diz popularmente, “deram conta do recado”.
Se estivesse em jogo apenas o merecimento dessa categoria, o piso salarial estabelecido estaria à altura do trabalho por ela desempenhado, disso não há dúvida. Mas há outras variáveis envolvidas que interferem diretamente nessa definição, o que torna a difícil a solução para esse problema.
Em primeiro lugar, a posição tomada pela maioria do STF parece a mais razoável, por força dos inequívocos impactos econômicos provocados pela lei que instituiu esse novo piso salarial. O ministro relator destacou isso no corpo da sua decisão liminar, trazendo o dado de que, na estimativa do Dieese, esse custo será de R$ 4,5 bilhões ao ano, considerando a existência de 356 mil profissionais de enfermagem.
Os números são “amazônicos” e isso demandaria um processo ainda maior de amadurecimento e discussões. Mas ainda que o debate se aprofunde, tem-se que a fixação de um piso salarial linear, no patamar em que foi estabelecido, onerará excessivamente muitos entes públicos e privados que estão obrigados a cumpri-lo.
Sim, porque a despeito de ser um piso, sendo igual para todos, ele tende a ser tranquilamente suportado por grandes e superavitárias redes médicas, mas poderá decretar o fim de inúmeras outras entidades de menor porte.
E isso provoca um efeito inverso. O STF destacou que a valorização do trabalho desses profissionais, que se busca alcançar com a fixação desse piso salarial, pode dar lugar a uma grave crise junto a essa coletividade, com o risco iminente de demissões em massa, além de comprometer a oferta de leitos hospitalares para a população, que já carece desse serviço.
Mas o mesmo STF ressalvou que “as instituições privadas que tiverem condições de, desde logo, arcar com os ônus do piso constante da lei impugnada, não apenas não estão impedidas de fazê-lo, como são encorajadas a assim proceder”. Isso é coerente com a defesa que se fez de que o valor salarial fixado é justo para remunerar esses trabalhadores.
Com relação aos impactos para o Estado, fala alto o fundamento trazido na ação pautado no princípio da Reserva do Possível, teoria oriunda do Direito Alemão, que tem como ideia central a tentativa de adequar o direito à realidade. A leitura da decisão liminar põe em dúvida a capacidade financeira do Estado suportar esse ônus.
O princípio mencionado vem encontrando eco no Poder Judiciário em determinadas situações. A mais conhecida delas está atrelada ao valor estabelecido para o salário mínimo.
Isso porque, a previsão constitucional do patamar mínimo salarial — artigo 7º, IV — impõe que este seja suficiente a garantir a satisfação de inúmeras necessidades definidas como básicas e vitais dos trabalhadores e de suas famílias. Ninguém diverge que o valor atual (R$ 1.212,00) não cumpre esse propósito. Mesmo assim, não se pode atribuir a pecha de inconstitucionalidade à legislação que o previu, exatamente por conta da impossibilidade dele atingir valores substancialmente maiores — como deveria — sob pena de causar ônus irremediáveis às contas públicas.
A fixação de um piso salarial para profissões regulamentadas mediante edição de lei traz embarcado o risco de distorções, exatamente como se está presenciando em relação ao piso em comento, ainda mais em um país com dimensões continentais e com diferentes condições regionais.
Essa inconsistência foi posta na decisão do STF, que comparou que esse aumento, para o piso praticado em São Paulo, seria de 10%, enquanto para o piso praticado na Paraíba seria de 131%.
Por isso mesmo, ganha relevo o fundamento da ADI que condena a substituição das entidades sindicais pelo Poder Publico na fixação de condições salariais para essa categoria de empregados.
Não resta dúvida de que se atingiria uma condição mais justa e igualitária se fosse delegada a tarefa de negociar os patamares salariais dos profissionais de enfermagem para os sindicatos, como previsto na CF/88. Se isso for observado, decerto que se chegará a uma adequação negocial que contemplará as diferenças regionais e se permitirá fixar montantes variados que possam ser suportados pelas diferentes entidades médicas, amoldando-se a suas realidades.
Essa talvez seja a melhor solução a ser encontrada para resolver esse problema que a lei 14.434/2022 trouxe com ela. Os seus propósitos são — e continuam sendo — nobres. Mas os seus efeitos podem ser devastadores.
Por isso que a decisão liminar, nesse momento, foi a mais acertada, seja para melhor identificar as fontes de custeio desses novos valores, seja para que se possa, ao final, alcançar o tão almejado equilíbrio entre praticar um salário justo para essa importante coletividade, permitindo que esse seja suportado pelas entidades médicas, para que a população brasileira possa continuar a dispor de um serviço de saúde, que já é carente e que não pode piorar.
Autor: Antônio Carlos Oliveira
Artigo publicado no portal: ConJur