O uso de dados de geolocalização como meio de prova na justiça do trabalho

A evolução das fontes probatórias é uma realidade indiscutível com a transformação do modelo de sociedade do analógico para o digital, e os meios de prova, indiscutivelmente, evoluíram em conformidade com as modificações experimentadas pelas relações sociais pautadas pelo surgimento exponencial de novas tecnologias. Considera-se prova digital todo dado ou informação obtido por meio de dispositivos tecnológicos e que, utilizados no âmbito do processo judicial, podem auxiliar o magistrado a chegar à verdade real e viabilizar a mais justa e efetiva prestação jurisdicional diante do caso concreto.

Embora não haja previsão legal específica para provas digitais, elas são amparadas pelo Código de Processo Civil (CPC), que no art. 369 garante às partes o direito de usar todos os meios legais e moralmente legítimos para provar os fatos, mesmo que não especificados no Código. Além disso, o art. 370 concede ao juiz o poder de determinar as provas necessárias para o julgamento, permitindo que, se entenderem úteis para esclarecer os fatos, as provas digitais sejam admitidas.

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também reforça a possibilidade de utilização das provas digitais ao estabelecer, no art. 765, que “os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”. Essas provas têm sido cada vez mais aceitas nos processos trabalhistas, e a Justiça do Trabalho foi pioneira na sua utilização. Desde 2020, tem promovido a capacitação de magistrados e servidores na produção de provas digitais por meio do Programa Provas Digitais.

A Lei 13.709/2018, intitulada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), dispôs sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, tratando principalmente de “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”. E, nessa linha, incorporou ao ordenamento jurídico normas para evitar vazamentos e proteger dados pessoais.

A utilização da prova digital de geolocalização no processo do trabalho tem gerado grandes controvérsias, no que diz respeito às interpretações de disposições previstas em nossa legislação, não só no que se refere aos dispositivos da LGPD, como também aos constitucionais. Isso porque os dados gerados por dispositivos de localização são de titularidade da pessoa natural que é parte integrante do seu direito à privacidade, tutelado pelo art. 5°, inciso X, da Constituição Federal (CF/88). No entanto, a LGPD, que possui como um dos seus fundamentos o respeito à privacidade (art. 2°, inciso I), autoriza a mitigação da proteção e acesso aos dados pessoais dos titulares para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral, nos moldes do seu art. 7°, inciso VI.

No contexto trabalhista, a geolocalização, que usa dados de posição para monitorar a presença e movimentação dos trabalhadores, pode ser utilizada para verificar a compatibilidade entre a marcação de ponto e a localização em tempo real. Essa informação pode ser obtida por meio de GPS, internet, AGPS, radiofrequência, entre outros, sendo comum em dispositivos móveis como smartphones e tablets, além de ser essencial para aplicativos como Google Maps e Waze.

Devido à sua aplicabilidade, a geolocalização tem sido cada vez mais usada como meio de prova. Esses dados são úteis quando a prova documental e testemunhal se mostram insuficientes, permitindo a dilação probatória e diminuindo a insegurança jurídica. Eles também podem ser usados na fase executiva, como no caso de ocultação do devedor, auxiliando na citação pessoal ou na expedição de edital de citação. Além disso, os dados de geolocalização podem ser utilizados para comprovar o cometimento de faltas pelo trabalhador, como no caso de um empregado que, embora tenha apresentado atestado médico, foi encontrado em locais incompatíveis com sua alegação, como viagens ou festas.

A iniciativa quanto à produção de provas digitais vem sendo institucionalizada e regulada pelo Tribunal Superior do Trabalho, que editou ato normativo com diretrizes para os juízes requisitarem dados digitais à Microsoft (Ato Conjunto TST/CSJT/CGJT n° 31, de 4 de agosto de 2021), viabilizando o acesso a magistrados e servidores a capacitações, com o intuito de aprenderem a incorporar melhor as ferramentas disponibilizadas pela Justiça do Trabalho à rotina dos processos trabalhistas. Para que essas provas sejam consideradas válidas e aceitas no âmbito da Justiça do Trabalho, é preciso que sejam observados alguns critérios:

Autenticidade: é preciso que a prova digital seja autônoma, ou seja, que não tenha sido adulterada ou modificada. Para isso, é importante que sejam utilizadas ferramentas de segurança, como criptografia, assinatura digital, entre outras.

Integridade: a prova digital deve estar íntegra, ou seja, não deve ter sofrido nenhuma alteração desde a sua produção. Para garantir a integridade da prova, é recomendável o uso da máscara de proteção, como a certificação digital.

Confidencialidade: a prova digital deve ser mantida em sigilo, de forma que apenas as partes envolvidas no processo tenham acesso. Para isso, é recomendável usar o controle de segurança, como senhas e criptografia.

Idoneidade: a prova digital deve ser produzida por meio de um dispositivo eletrônico idôneo, ou seja, que seja confiável e seguro. Nesse aspecto, é importante que sejam certificados e com boa expectativa no mercado.

Pertinência: a prova digital deve ser pertinente ao processo em questão, ou seja, deve estar relacionada aos fatos que estão sendo discutidos no processo trabalhista.

Além dessas considerações, é importante destacar que as provas digitais devem ser produzidas e desenvolvidas de forma clara e objetiva, de forma a facilitar a sua análise e interpretação pelo juiz. Ao lado disso, é recomendável que sejam aceitos em formato digital, de forma a evitar problemas de legibilidade e conservação.

No entanto, diante desses contornos, é defensável que uma parte utilize esses dados de geolocalização como meio de prova e que a parte contrária alegue que ela revela insegurança quanto à sua finalidade, visto que é possível aduzir que nem sempre os recursos mais tecnológicos e modernos serão capazes de provar a verdade real.

Ainda há uma corrente intermediária que se posiciona no sentido de que o deferimento da prova digital de geolocalização deve ser avaliado caso a caso, resguardando-se ao máximo os direitos à privacidade e à intimidade do titular dos dados, razão pela qual o seu uso não deve ser autorizado de forma indiscriminada ou sem uma plausível justificativa.

Em uma recente decisão, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) validou o uso de dados de geolocalização como prova digital para comprovar a jornada de trabalho, entendendo que essa medida é adequada, necessária e proporcional. No julgamento do processo ROT-23218-21.2023.5.04.0000, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais cassou a liminar que impedia a utilização desses dados pela empresa. O relator, ministro Amaury Rodrigues, destacou que a geolocalização não violou o sigilo das comunicações, foi realizada com o menor grau de intrusão possível e se restringiu aos locais onde o próprio trabalhador afirmava estar.

Entretanto, houve divergência entre os ministros. O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, acompanhado por outros julgadores, defendeu que a geolocalização deve ser utilizada apenas como prova subsidiária, e não principal, especialmente quando existirem meios menos invasivos para a comprovação da jornada. Segundo ele, a banalização do uso desta prova compromete o direito à intimidade, transformando o contraditório e a ampla defesa em direitos absolutos que podem aniquilar a proteção da privacidade.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a questão relacionada ao sigilo de dados telemáticos também está em debate, ainda que no contexto penal. Foi reconhecida a repercussão geral do Tema 1148, que discute os limites da quebra de sigilo de dados pessoais, com o julgamento do Recurso Extraordinário 1301250 pendente de decisão. Até que o STF delimite esses parâmetros, recomenda-se que o uso de dados de geolocalização como prova seja restrito ao mínimo necessário, com propósitos legítimos, específicos e claros, conforme os princípios da proteção de dados e da proporcionalidade.

O debate deve ser analisado caso a caso, considerando a proporcionalidade do pedido e a necessidade de garantir o segredo de justiça e a restrição de acesso aos dados. É certo que várias outras discussões sobre a utilização dessa prova digital surgirão no âmbito da Justiça do Trabalho. E, devido às questões de natureza constitucional envolvidas e relativas aos direitos fundamentais da pessoa humana inerentes à privacidade e à intimidade, competirá ao STF apaziguar as controvérsias no âmbito laboral.

 

 

Artigo publicado no LexLegal Brasil.

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