O piso salarial do profissional de enfermagem celetista e a decisão do STF

O STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu o julgamento da ação cautelar proposta na ADI 7.222 no último dia 30/6/2023, acolhendo a posição externada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, definindo-se pela aplicabilidade do novo piso salarial para os profissionais de enfermagem, fixado na Lei 14.434/2022.

Na decisão, foram estabelecidos parâmetros relacionados com a fonte de custeio dos servidores públicos que exercem essas funções. Definiu-se também a forma de implementação para os chamados profissionais celetistas, nos seguintes termos:

“em relação aos profissionais celetistas em geral (art. 15-A da Lei nº 7.498/1986), a implementação do piso salarial nacional deverá ser precedida de negociação coletiva entre as partes, como exigência procedimental imprescindível, levando em conta a preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde. Não havendo acordo, incidirá a Lei nº 14.434/2022, desde que decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação da ata deste julgamento.”

Nota-se, da decisão, que persiste a preocupação com as demissões em massa e os prejuízos para o setor de saúde. Um aspecto relevante do julgado é que ele coloca como condição obrigatória, em relação ao valor dos celetistas, que essa definição seja “precedida de negociação coletiva”. A utilização do verbo “deverá” e a menção à “exigência procedimental imprescindível” excluem qualquer dúvida a esse respeito.

Em suma: para definição do piso dos profissionais celetistas é obrigatória a negociação coletiva prévia. Essa última, por sua vez, demanda que a representação dos profissionais de enfermagem seja realizada obrigatoriamente pelas entidades sindicais que representam essa categoria profissional, pois sem essa participação o processo negocial não tem validade (artigo 8º, VI, da CF/88).

Essa dependência da negociação coletiva e da obrigatória participação dos sindicatos trouxe uma insegurança aos empresários do setor, que temem pela recusa ou mesmo intransigência das referidas entidades no processo negocial.

Ocorre que as entidades sindicais que representam os empregados não podem se recusar a negociar, sob pena de incorrerem em uma ilegal conduta antissindical (artigo 616 da CLT). Do mesmo modo, não podem simplesmente se sentar à mesa e exigirem o pagamento do piso legal, porque isso equivale a não negociar.

Uma eventual recusa ou intransigência implicará na possibilidade de aplicação dos mecanismos coibitivos previstos nos parágrafos que compõem o artigo acima mencionado, além da hipótese do artigo 617 da CLT, ou seja, permitirá que as empresas negociem diretamente com a coletividade dos seus empregados, chamando o sindicato a integrar essa negociação, o que, caso não ocorra, validará, excepcionalmente, a negociação direta entre patrões e empregados.

Essas negociações definidas pelo STF permitirão que se faça uma adequação setorial e regional desse novo patamar salarial. Um piso, sendo linear e igual para todos, tende a ser tranquilamente suportado por grandes e superavitárias redes médicas, mas poderá decretar o fim de inúmeras outras entidades de menor porte, que já estão com suas finanças combalidas.

Sem contar que a fixação de um piso salarial para profissões regulamentadas mediante edição de lei traz embarcado o risco de distorções, ainda mais em um país com dimensões continentais e com diferentes condições regionais como o Brasil. Não se pode comparar a capacidade de pagamento das entidades médicas dos estados mais ricos da federação com a dos estados mais pobres.

Restando infrutíferas as legítimas negociações coletivas e ultrapassado o prazo de 60 dias, a contar da publicação da ata de julgamento do STF, deve se aplicar o piso salarial previsto em lei, sendo importante ressalvar que a decisão proferida esclareceu, ainda, que o valor integral dele deve ser aplicado para os contratos de empregados que trabalhem no regime de 8 horas diárias e 44 horas semanais. Vale dizer: os que trabalham em regime de menos horas diárias e semanais têm o direito a receber o valor proporcional do referido piso.

Não restam dúvidas de que os profissionais de enfermagem prestam um serviço relevantíssimo. Essa ideia tornou-se ainda mais evidente e vistosa nos últimos anos, quando se enfrentou uma pandemia com adoecimento massivo da população.

A valorização do trabalho desses profissionais, que se busca alcançar com a fixação desse piso salarial, pode dar lugar a uma grave crise junto a essa classe de trabalhadores, com o risco de demissões em massa, além de comprometer a oferta de leitos hospitalares para a população, que já carece desse serviço.

A solução encontrada pelo STF parece ser a melhor para resolver esse problema que a Lei 14.434/2022 trouxe com ela. Os propósitos da lei são — e continuam sendo —‚ nobres. Mas os seus efeitos podem ser devastadores.

O objetivo, ao fim e ao cabo, é alcançar o tão almejado equilíbrio entre praticar um salário justo para essa importante coletividade, permitindo que esse seja suportado pelas entidades médicas, de modo que a população brasileira possa continuar a dispor de um serviço de saúde, que já é carente e que não pode piorar.

 

 

Artigo publicado no ConJur.

 

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