A situação relatada pela jovem atriz Larissa Manoela, que ganhou projeção no noticiário ao denunciar o uso inadequado de seu patrimônio pelos pais, serve como um lembrete contundente de como o sucesso precoce pode trazer à tona complexas questões legais e éticas no cenário das celebridades jovens. O caso, embora tenha recebido grande atenção da mídia, está longe de ser isolado e reflete um padrão preocupante no mundo do entretenimento e do esporte.
A ascensão das redes sociais e da monetização da imagem pessoal tornou-se um terreno fértil para a exploração econômica de jovens talentos, muitas vezes sem a devida proteção e supervisão. Celebridades mirins são frequentemente transformadas em marcas, com suas vidas pessoais se tornando um produto para ser comercializado e consumido em massa. Esse contexto levanta questões cruciais sobre a privacidade, o direito à autodeterminação e o papel dos pais na tomada de decisões financeiras em nome dos filhos.
No âmbito esportivo, casos como o de Vinicius Jr. demonstram como os contratos milionários assinados por jovens jogadores podem ser emocionantes, porém, ao mesmo tempo, apresentam desafios. A gestão desses ativos e a proteção dos interesses dos jogadores adolescentes requerem cuidadosa consideração e supervisão, especialmente quando os rendimentos são derivados do próprio trabalho do atleta.
No contexto jurídico, a relação entre pais e filhos é regida pelo poder familiar, que envolve o dever de cuidado, educação e representação legal dos menores. Isso inclui a administração dos bens dos filhos, uma vez que estes, embora não possuam plena capacidade civil, podem deter propriedades e gerar renda. No entanto, essa administração não concede aos pais a autorização para apropriação indevida dos rendimentos ou bens dos filhos.
A exploração econômica de crianças e adolescentes é proibida tanto pela legislação nacional quanto por acordos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança da qual o Brasil é signatário desde 1990. Tal exploração abrange desde o trabalho prejudicial à saúde física e mental até a gestão inadequada dos rendimentos provenientes do trabalho ou uso da imagem das crianças. Nesse contexto, a situação de Larissa Manoela, na qual seus pais teriam supostamente se apropriado dos rendimentos provenientes de sua carreira, levanta preocupações claras de exploração econômica e uso indevido de recursos.
O Código Civil não impõe aos pais a obrigação de prestar contas aos filhos pela administração dos seus bens. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu a um filho o direito de exigir a prestação de contas de sua mãe por entender que havia indícios do exercício abusivo do poder familiar. No caso julgado pelo STJ, a mãe foi acusada pelo filho de má gestão das pensões que foram a ele pagas antes de completar a maioridade, causando-lhe prejuízos.
O Projeto de Lei nº 3.297/2023, apresentado na última terça-feira (15.08), visa corrigir essa lacuna na legislação, estabelecendo a obrigação dos pais prestarem contas sobre a administração dos bens dos filhos. Esse passo é fundamental para garantir que a gestão financeira seja transparente e atenda aos interesses dos menores. A participação do Ministério Público no processo também fortalece a fiscalização e protege os direitos das crianças e adolescentes, evitando potenciais abusos.
Além disso, a criação de empresas em nome de menores requer atenção especial. Embora o Código Civil permita essa prática, é necessário garantir que a constituição dessas empresas não resulte em confusão patrimonial, desvio de finalidade ou enriquecimento indevido dos pais. A separação clara entre o patrimônio dos filhos e dos pais é fundamental para evitar abusos e proteger os direitos dos menores.
No caso de Larissa Manoela, a suposta criação de uma empresa que concentra a maior parte de seu patrimônio e rendimentos em nome dos pais pode suscitar questões graves de abuso do poder familiar e exploração econômica. A legislação brasileira já reconhece a possibilidade de destituição dos pais da administração dos bens em caso de abuso, e esse mecanismo pode ser acionado para proteger os interesses de pessoas que estejam em situações como a relatada pela atriz.
Em suma, o caso de Larissa Manoela reflete a necessidade de um olhar mais profundo e abrangente sobre a proteção dos direitos das crianças e adolescentes em situações de destaque no entretenimento e esportes. A legislação deve evoluir ainda mais para garantir transparência, responsabilidade e proteção adequada aos jovens talentos, de modo a evitar abusos e assegurar um ambiente saudável para seu crescimento e desenvolvimento.
Artigo publicado no Estadão.