Negócios jurídicos processuais no Direito de Família

O tema dos negócios jurídicos processuais no Direito de Família talvez ainda seja, ao menos entre nós que atuamos na área, um dos tabus a serem superados. Ainda persiste, entre diversos operadores do Direito, uma compreensão equivocada de que os processos de família seriam integralmente indisponíveis, o que inviabilizaria qualquer negociação entre as partes quanto aos atos processuais ou mesmo diante de situações envolvendo incapazes.

Essa percepção se apoia em premissas falsas: i) a de que direitos indisponíveis não admitem flexibilização procedimental e ii) a impossibilidade de celebração de negócios processuais por incapazes ou vulneráveis. No entanto, esses entendimentos não se sustentam.

A prática já nos mostra o contrário.

Os negócios jurídicos processuais são celebrados diariamente nos processos de família – muitas vezes sem que os próprios profissionais envolvidos se deem conta disso. Em todo divórcio consensual, por exemplo, é comum a cláusula de renúncia ao prazo recursal, típica convenção processual. Da mesma forma, o calendário processual ou o saneamento consensual do processo, também comuns nos processos de família, são exemplos claros de negócios jurídicos processuais.

O art. 528, § 8º, do CPC oferece outro exemplo: permite que o credor de alimentos opte entre o rito da prisão e o da expropriação. Essa escolha, ainda que unilateral, configura verdadeiro negócio processual.

O mito da indisponibilidade e a realidade da autocomposição

A resistência ao tema decorre, em parte, da confusão entre indisponibilidade do direito material e impossibilidade de convenção sobre o procedimento. Mas uma coisa não impede a outra.

Direitos como os alimentos são indisponíveis, mas admitem autocomposição quanto aos seus aspectos patrimoniais. O crédito alimentar é irrenunciável, impenhorável e incompensável, mas isso não impede que o credor perdoe a dívida, aceite um valor inferior ou transija sobre a forma de pagamento. É possível renegociar, postergar, parcelar, condicionar.

Portanto, a indisponibilidade do direito não impede a autocomposição, embora exista algumas restrições. E, observadas eventuais restrições, é possível também celebrar negócios processuais, disciplinando, criando situações jurídicas processuais ou alterando o procedimento. Há, inclusive, enunciado doutrinário sobre o tema: “A indisponibilidade do direi-to material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual” (FPPC, enunciado 135).

Vulnerabilidade e validade das convenções

Outro equívoco frequente reside na leitura equivocada do parágrafo único do art. 190 do CPC. A norma prevê que o juiz poderá recusar aplicação à convenção processual caso alguma das partes esteja em situação de manifesta vulnerabilidade.

No entanto, é preciso cuidado: a vulnerabilidade, por si só, não impede a validade do negócio.

O incapaz é presumidamente vulnerável. Há também pessoas capazes que são vulneráveis. É o caso do consumidor, do trabalhador e das mulheres em contextos de desequilíbrio estrutural. Mas a vulnerabilidade não conduz, automaticamente, à nulidade do pacto. Ela apenas indica que sua validade dependerá de análise posterior, considerando as circunstâncias concretas do caso.

Aliás, muitas vezes, a convenção processual é instrumento de proteção da parte vulnerável. Imagine, por exemplo, um negócio processual em que seja estipulada a possibilidade de prisão civil por prazo superior ao previsto na lei ou a que estipule a medida para prestações alimentícias vencidas há mais de três da data do pedido ou, ainda, que constitua capital para garantir o cumprimento da obrigação alimentar (art. 533, CPC). São cláusulas benéficas à parte vulnerável.

A propósito, entendemos que cláusulas benéficas ao incapaz não devem ser invalidadas mesmo quando ele não esteja representado ou assistido. Se a cláusula aumenta uma garantia processual ao incapaz, ela deve ser preservada.

Redesenhando o processo de família.

O modelo tradicional do processo judicial, notadamente no Direito de Família, nem sempre atende ao interesse das partes. Pelo contrário: muitas vezes estimula o conflito, acirrando tensões e perpetuando desgastes.

Negócios jurídicos processuais podem – e devem – ser utilizados como instrumentos de pacificação. É possível, por exemplo, estabelecer cláusulas que determinem mediação extrajudicial obrigatória como condição prévia ao ajuizamento de ações, convencionar a obrigatoriedade da produção antecipada de prova pericial nas hipóteses de suspeita de alienação parental.

É preciso refletir, por exemplo, sobre a possibilidade de criação de algo semelhante aos “comitês de resolução de disputas” para impasses em guarda compartilhada. Por que não designar um terceiro – psicólogo, assistente social ou outra pessoa de confiança das partes – para decidir, em caráter pontual, controvérsias menores, sem necessidade de judicialização? Eventual decisão, naturalmente, não seria definitiva e poderia ser questionada judicialmente. Mas seria, no mínimo, um desestímulo à judicialização; e seria provável que via litigiosa fosse utilizada somente em caso de real necessidade.

Enfim, as soluções e as possibilidades são inúmeras. É certo que há limites legais, especialmente quando se trata de interesses de incapazes. Mas há, igualmente, muito espaço para inovação responsável.

É preciso pensar fora da caixa

Os operadores do Direito, especialmente os advogados, precisam repensar sua postura. A lógica bélica, que encara o processo como campo de batalha, precisa ser substituída pela lógica da construção. O advogado deve ser solucionador de problemas, e não apenas estrategista de embates.

Os negócios jurídicos processuais representam não apenas uma possibilidade, mas uma necessidade. A complexidade das relações familiares exige soluções personalizadas, flexíveis e eficazes.

Cabem aos advogados, juízes, membros do Ministério Público e acadêmicos, avançar no estudo, na aplicação e na criação de instrumentos processuais que sirvam verdadeiramente às pessoas, e não apenas às formalidades.

Como já dizia Drummond, “os lírios não nascem das leis”.

 

Artigo publicado no Migalhas.

 

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