‘É meu filho’: como ficam os animais de estimação no divórcio e por que mulheres levam cada vez mais esses casos à Justiça

A relação dos animais domésticos com o homem é tão antiga quanto a própria humanidade, mas nunca esteve tão humanizada. Um sinal são os pedidos de guarda compartilhada de pets na Justiça brasileira. No pódio das reivindicações por divisão de custos estão as mulheres, que, a cada dia, optam menos por filhos e mais por cães e gatos. Aqui, um retrato da evolução do amor animal nos tempos de hoje

 

A professora Roberta*, 39 anos, e o então marido, Flávio*, casados por 13 anos, decidiram adotar um cachorro em um momento delicado: ela tentava se recuperar de um profundo luto familiar, ele sofria de crises de ansiedade. Sem condições financeiras para criar um filho, consideraram que um animal de estimação faria bem ao casal. “Meu cachorro, Buddy, é a minha vida. É o que tenho de mais importante, tudo que faço é por ele”, diz a carioca.

Quatro anos depois, veio o divórcio. “Terminamos por causa de uma traição, mandei meu ex-marido sair de casa”, conta a professora. “Nem cogitei a possibilidade de o Buddy não ficar comigo. Flávio não tem condições financeiras e nem psicológicas para cuidar dele.”

Ao ouvir o ex ameaçar tirar o cachorro dela, Roberta decidiu contratar uma advogada e levou o caso à Justiça. “Propus a guarda compartilhada, mas Flávio desistiu da ideia, porque assim ele teria que arcar financeiramente com os custos do cachorro. O que ele queria mesmo era ter acesso livre à minha casa, pegar o cachorro e devolvê-lo sem nenhuma responsabilidade.”

Embora não haja um levantamento oficial, especialistas consultados por Marie Claire atestam que casos como o de Roberta, envolvendo animais de estimação em situações de divórcio, chegam à Justiça brasileira em número cada vez maior. A maior parte dos requerentes dessas ações são mulheres e a principal demanda é a divisão do custeio do animal de estimação, diz a jurista Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e fundadora do Instituto Brasileiro do Direito da Família.

“Nos últimos dez anos foram 10 mil ações. Só desde março deste ano são 490 casos que chegaram a algum tribunal de justiça do país, é um número impressionante”, afirma a jurista. “E muitas pessoas ainda não sabem que podem buscar a Justiça. As mulheres não precisam ficar sozinhas com os animais, sem auxílio de custeio. Não há lei no Brasil sobre isso, mas a jurisprudência está consolidada, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo o dever de dividir os encargos e as despesas de custeio.”

Maria Berenice Dias integrou a comissão que elaborou um projeto de reforma do Código Civil, no qual ainda hoje os animais são vistos como “objeto”. O novo texto, apresentado no Senado em abril de 2024, propõe que animais sejam considerados “seres sencientes”, ou seja, com sensibilidade e passíveis de proteção jurídica própria. É também o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2022. No âmbito do Direito da Família, o novo Código Civil ainda estabelece direitos e deveres de ex-cônjuges na divisão de despesas de custeio dos animais de estimação. Há também o PL 1806, de 2023, em tramitação no Congresso, de texto semelhante.

Em situações de divórcio, os animais de estimação costumam ficar sob tutoria das mulheres e geram gastos que nem sempre os ex-cônjuges arcam. “Como todas as outras funções de cuidado, as tarefas com os bichos também geralmente recaem sobre as mulheres, salvo raras exceções”, afirma Dias. “Os homens muitas vezes saem de casa e os animais ficam para trás.”

Segundo a advogada de família Mariana Regis, boa parte das mulheres que a buscam reivindica que os homens se responsabilizem pelos custos de alimentação, ida a pet shops para tosa, higiene em geral , veterinário, medicação e cirurgias em caso de adoecimento. “Da mesma forma que abandonam materialmente companheiras e filhos em situação de vulnerabilidade, o fazem com animais domésticos. Isso configura violência patrimonial, se fizermos uma interpretação direta com a Lei Maria da Penha. Há também contextos, mais raros em meu escritório, em que o homem leva o animal – gato, no geral – e impede que a ex-parceira tenha contato com o bicho. Interessante notar que dificilmente vejo isso com cachorros, talvez por serem mais demandantes em matéria de cuidado que os gatos, suponho.”

“Já tive cliente que brigou em negociação de acordo para que o ex ficasse com o cachorro ao menos dez dias no mês, e ele só aceitava pegar de 15 em 15 dias, junto com o filho do ex-casal. Queria ficar ‘livre’ nos demais finais de semana. Alegava que não tinha tempo para nada. E ela só pegou esse segundo cachorro porque ele insistiu muito”, conta Regis.

Mãe de pet

Para Dias, o aumento dessas ações judiciais está relacionado ao maior número de pessoas com animais de estimação no Brasil – terceiro país em quantidade de tutores de pets, atrás apenas de Estados Unidos e China. Em abril, a Petz e a Cobasi, as duas maiores varejistas do ramo de produtos para animais de estimação do Brasil, assinaram acordo para uma fusão, dando origem a uma gigante com receita de R$ 6,9 bilhões e mais de 480 lojas.

Dias também atribui o aumento de animais de estimação a uma mudança de comportamento nas mulheres, que “muitas vezes abrem mão da maternidade pela dificuldade profissional que isso gera. Animais de estimação não entravam a vida profissional de ninguém, os filhos, sim. As mulheres então canalizam essa afetividade muitas vezes adotando um bicho de estimação”, opina a jurista. “No Judiciário, o tratamento dado aos animais domésticos está cada vez mais próximo ao dos filhos.”

É também o que afirma o advogado de família Lucas Menezes: “Quando pessoas optam por não ter filhos e preferem animais de estimação, acontece uma virada de chave no Direito. O animal passa a ser considerado ente da família, e isso vem crescendo nos últimos dez anos. É só ver a comoção que houve com a morte de Joca, em abril, durante um transporte aéreo. Fica claro que não estamos falando de uma ‘coisa’”.

A fotógrafa Luísa*, 34, não quis ser mãe, mas sempre sonhou em ter um cachorro. O então marido a presenteou com um cão no dia de seu aniversário. Os cuidados e os gastos com o animal de estimação, diz Luísa, sempre foram dela. O casal se divorciou após sete anos e Luísa saiu de casa com o cachorro. Em um “momento de fragilidade”, diz ela, aceitou dividir a guarda com o ex, que insistiu em ficar com o cachorro a cada mês. “Todas as vezes que tinha que entregar, era um sofrimento”, conta a mineira.

“Ele voltava sem banho, sem tomar a vacina que precisava. Meu cachorro tem uma cama específica que ele gosta. Um dia eu levei a cama, a comida e outras coisas, e meu ex pegou o cachorro e deixou todas as outras coisas no chão, no meio da rua. Depois disso, fiquei quase duas horas chorando, porque o cachorro estava sendo completamente negligenciado como uma forma de me atingir emocionalmente.”

Em outro episódio, no começo do ano, o ex-marido foi viajar e deixou o cachorro em um hotelzinho, durante um dos meses em que estava sob sua tutela. “Foi aí que decidi que não dividiria mais essa guarda. Ele não é capaz de cuidar do meu cachorro”, afirma Luísa. “É tipo meu filho. Tenho apego emocional, dorme comigo, faz tudo comigo, o meu estúdio tem o nome dele. É meu tudo.”

Artigo publicado na revista Marie Claire.

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