O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi instado a decidir, sob o rito dos recursos repetitivos, se é obrigatória a notificação prévia do devedor antes da inclusão de seu nome no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR/Sisbacen). Trata-se de uma discussão sensível, cujos desdobramentos afetam tanto o mercado financeiro quanto a dinâmica do Judiciário, com impacto direto sobre consumidores e instituições.
No centro do debate está a aplicação do artigo 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da súmula 359 do próprio STJ. Esses dispositivos, tradicionalmente vinculados a cadastros de consumidor antes da inclusão em registros negativos. A dúvida que se impõe é: esses mesmos preceitos devem ser estendidos ao SCR?
Criado com função regulatória, o SCR é gerido pelo Banco Central e, desde a Resolução CMN n.º 5.037/2022, passou a ser regulamentado de forma consolidada. Diferentemente dos cadastros privados, o SCR não tem como objetivo informar o mercado sobre inadimplência, mas sim fornecer subsídios ao Banco Central para a supervisão prudencial do sistema financeiro nacional. As informações, que abrangem operações de crédito ativas e vencidas, são acessíveis apenas ao próprio consumidor e à autoridade monetária — e, mediante autorização, a instituições financeiras.
Apesar disso, o Judiciário brasileiro não tem posição unificada sobre a exigência de notificação prévia. Parte dos magistrados entende que as regras aplicadas aos cadastros restritivos devem ser reproduzidas no SCR. Outros, no entanto, reconhecem que a natureza pública, sigilosa e regulatória desse sistema justiça um tratamento jurídico diferenciado. Essa fragmentação interpretativa gera insegurança jurídica e reforça a necessidade de uniformização — o que se pretende com o julgamento do repetitivo.
Nesse contexto, torna-se relevante repetir sobre as consequências práticas de uma eventual obrigação de aviso prévio. Além dos impactos operacionais, a exigência pode dificultar a tempestividade da atualização de dados fundamentais para a análise de risco de crédito, o que afetaria não apenas instituições financeiras, mas também consumidores que dependem de um ambiente de crédito funcional e confiável.
Outro aspecto que merece atenção é o potencial de estímulo à litigância em massa. Num cenário já marcado por ações padronizadas e muitas vezes artificiais, uma interpretação que amplie formalidades sem observar a finalidade específica do SCR pode intensificar o volume de demandas judiciais com baixo grau de relevância concreta, comprometendo ainda mais a eficiência do Judiciário.
Por ora, a afetação do tema como repetitivo foi apenas sugerida pelo ministro relator, e a decisão final sobre sua admissão cabe à 2.ª Seção do STJ. A eventual fixação de uma tese uniforme trará clareza interpretativa, fortalecerá a segurança jurídica e permitirá que se encontre o ponto de equilíbrio entre a proteção do consumidor, o funcionamento adequado do sistema de crédito e a racionalização da atividade jurisdicional.
Artigo publicado no Estadão.