Primeiramente, importante lembrar que a aposentadoria especial é aquela concedida a trabalhadores que exerceram suas atividades sujeitos a condições que prejudicavam sua saúde ou integridade física, durante 15, 20 ou 25 anos, a depender do caso concreto.
Para tanto, o benefício é concedido mediante a comprovação de que o trabalhador exerceu atividade com exposição a algum agente nocivo definido pela legislação em vigor à época do trabalho realizado.
Acontece que, conforme previsão estabelecida no art. 46 da Lei nº 8.213/91, o aposentado por invalidez que retornar, voluntariamente, à sua atividade laborativa, terá sua aposentadoria automaticamente cancelada.
Por sua vez, o §8º do art. 57 estabelece, expressamente, que aquela regra do citado art. 46 também se aplica ao segurado que obteve a aposentadoria especial, ou seja, este também terá sua aposentadoria cancelada se, após deferimento do benefício, voltar a laborar naquelas atividades prejudiciais à sua saúde.
Como se observa, portanto, o intuito do legislador foi, claramente, conceder a aposentadoria especial, num menor tempo em comparação com as outras modalidades, para proteger e preservar a saúde desse trabalhador, cessando sua exposição àqueles agentes nocivos. Assim sendo, o eventual retorno desse empregado, às mesmas atividades, se tornaria um verdadeiro contrassenso e nítido fracasso desse objetivo legal.
Feita essa explicação inicial, tem-se que, em outubro/2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Tema 709, o qual versava exatamente sobre a “Possibilidade de percepção do benefício da aposentadoria especial na hipótese em que o segurado permanece no exercício de atividades laborais nocivas à saúde”.
Diante disso, no referido Tema 709, o STF analisou e julgou a matéria, fixando como Tese de Repercussão Geral, a constitucionalidade da vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Da mesma forma, o Supremo estabeleceu que, uma vez verificada a continuidade ou o retorno do trabalhador ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário.
Vale dizer que, em fevereiro/2021, julgando embargos de declaração opostos naquele processo, o STF modulou os efeitos desse pronunciamento anterior, no sentido de declarar que aqueles que tiveram aposentadoria especial, obtida por decisão judicial transitada em julgado antes desse julgamento, estariam fora da regra restritiva da Tese acima exposta.
Pois bem. A grande questão a ser aqui enfrentada é se, diante dos termos dessa decisão do STF, estaria caracterizada uma extinção do contrato de trabalho daquele empregado que obteve o direito à aposentadoria especial e continua laborando exposto a agentes nocivos.
Afinal, se o empregado está ciente da impossibilidade de acumular a aposentadoria especial com a manutenção do labor naquelas condições que desempenhava e, mesmo assim, requereu a obtenção daquele benefício perante o INSS, fez a sua opção e abriu mão da relação de emprego, extinguindo o vínculo por sua iniciativa.
Em outras palavras, o empregado, laborando com exposição a agentes nocivos à sua saúde, teria praticamente formulado um pedido de demissão ao requerer e obter o deferimento da sua aposentadoria especial, já que seria legalmente incompatível acumular seu trabalho com aquele benefício previdenciário.
Mais do que isso, reconhecendo essa aposentadoria especial como verdadeira hipótese de extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregado, esse trabalhador deixaria de receber importantes verbas rescisórias como o aviso prévio e a multa de 40% do FGTS.
Neste caso, como solução para essa incompatibilidade legal, poderíamos questionar: e se a empresa puder realocar o trabalhador, em outra função, sem exposição a qualquer agente nocivo? Isso permitiria a continuidade da relação de emprego cumulada com a percepção da aposentadoria especial?
A indagação é pertinente, mas levanta um outro ponto de vista e alguns questionamentos: estaria o empregador obrigado a realocar o trabalhador simplesmente porque este resolveu requerer sua aposentadoria especial perante o INSS? E se não houver outra função compatível com o perfil daquele empregado fora do seu atual local de trabalho?
Esse debate, decerto, ainda será aprofundado e amadurecido pela jurisprudência trabalhista, tendo o Tribunal Superior do Trabalho (TST) a importante missão de definir e uniformizar a melhor solução para esse impasse.
O certo é que, até lá, as empresas pisarão em terreno incerto e poderão decidir por trilhar o caminho da rescisão contratual por iniciativa do empregado, ensejando uma grande possibilidade de ações judiciais.
Neste caso, poderá o trabalhador, portanto, tentar buscar judicialmente o reconhecimento de invalidade desse desligamento, procurando comprovar em juízo que poderia ter permanecido no emprego, exercendo outra função que não implicasse na sua exposição a agentes nocivos à sua saúde.
Outrossim, poderá, alternativamente, requerer apenas o reconhecimento de uma rescisão por iniciativa do empregador, requerendo o pagamento das parcelas rescisórias que lhe foram sonegadas, a exemplo do aviso prévio e multa de 40% do FGTS.
O empregador, por sua vez, terá como forte tese de defesa o argumento de que não teve qualquer participação na decisão do empregado de requerer sua aposentadoria especial, mesmo ciente de que laborava em condições nas quais não poderia permanecer caso tivesse sucesso no pedido de benefício previdenciário.
Além disso, esse empregador, por certo, poderá também indicar que a contratação daquele empregado se deu, exclusivamente, para a função que ele exercia, assinalando a impossibilidade de remanejamento desse trabalhador.
Em suma, o empregador buscaria sua defesa sob a alegação de que a impossibilidade de continuação da relação de emprego se deu por fato exclusivo do próprio trabalhador, de modo que também não pode ser onerado por essa rescisão contratual.
Enfim, o tema é polêmico, desperta diferentes pontos de vista, mas o certo é que a decisão do STF, nos autos do Tema 709, reconhecendo a constitucionalidade dos dispositivos legais da Lei nº 8.213/91, acirrará ainda mais os próximos debates e demandas judiciais que já surgem com esse objeto.