É possível a prestação de serviços a uma empresa por pessoa jurídica individual, inclusive em home office. Assim, em tese, pode um trabalhador, autônomo, constituir uma pessoa jurídica para prestar serviços, sem subordinação ou pessoalidade, a uma empresa.
Essa diretriz foi estabelecida pela Lei 13.429//17, que disciplinou a terceirização no Brasil e, em seu artigo 4º-A caput e parágrafos, expressamente admitiu a contratação de empresa interposto para prestação de serviços sem que se configure vínculo entre os trabalhadores e a empresa contratante.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, examinando o Tema 725 da Repercussão Geral, entendeu que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas” e, quanto à “pejotização” – termo que surge como derivação da abreviação PJ, de pessoa jurídica -, a Corte Superior admitiu sua licitude para trabalhadores que não sejam considerados hipossuficientes no julgamento da RCL 47.843.
Ocorre que, nenhuma das referências acima, seja a lei, seja o precedente do STF, exclui a possibilidade de caracterização de vínculo de emprego quando presentes a pessoalidade e subordinação, já que onerosidade e habitualidade, outros requisitos do contrato de trabalho, sempre estão presentes numa prestação de serviços continuada.
A própria CLT, em seu artigo 6º equipara o trabalho no estabelecimento do empregador com o trabalho realizado no domicílio do empregado ou a distância, reconhecendo a possibilidade de haver subordinação por meios telemáticos e informatizados de comando.
Assim, a possibilidade de realização de trabalho de forma remota (home office) e a permissão legal e jurisprudencial para contratação de trabalhadores autônomos por meio de pessoa jurídica, não constituem “salvo conduto” para contratação de pessoas nesse regime, porquanto pode ser invalidada ou anulada quando presentes, de forma concomitante, os requisitos de caracterização da relação de emprego, constantes dos artigos 2º e 3º da CLT: pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
Logo, poderá o trabalhador, quando presentes tais requisitos, pleitear na Justiça do Trabalho o reconhecimento do vínculo de emprego e o consequente pagamento das parcelas inerentes a esse regime (férias, 13º salário, FGTS, horas extras, etc.). Nessa hipótese, será investigado o cotidiano dessa relação, avaliando a efetiva autonomia do trabalhador, na medida em que a realidade sempre prevalecerá em detrimento da “forma” que o vínculo se constituiu.
Valton Pessoa é mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP, sócio do escritório Pessoa e Pessoa Advogados e professor da Faculdade Bahiana de Direito.